#3 – Má Influência
Como as redes sociais, os influencers e as apostas moldam a política brasileira.
É aqui que as pautas se misturam e a coisa começa a embolar.
Minha cabeça tem fervido com temas que, à primeira vista, parecem aleatórios: democracia, influencers, marketing, casas de apostas e mais um monte de assuntos que se conectam de alguma forma.
Cá estou pra tentar organizar esse caldeirão pra você, que me lê. Vamos ver no que vai dar.
Nos primórdios de nossa democracia, para além das ideologias de esquerda ou direita, o corpo político brasileiro ainda carregava, ao menos no discurso, um objetivo comum: um plano de país. Isso incluía evolução social, redução da desigualdade, crescimento econômico, avanços tecnológicos e estruturais. Eram pautas centrais, debatidas por diferentes ideologias, por políticos que chamo aqui de Velha Guarda.
Hoje, olhando o cenário nacional percebo uma mudança não apenas na forma, mas na finalidade da política. Estamos reféns de uma classe que governa pra si, com um único objetivo: manter-se no poder.
Somado a isso, surgem os políticos outsiders – gente do meio jurídico, do mercado, do entretenimento. Mas, como a história recente nos mostra, o sistema tolera pouco os forasteiros e os tem mandado de volta as suas origens. Com uma exceção: os influencers.
Esses, sim, são bem-vindos. Ora pela capacidade de viralizar, gerar engajamento, converter seguidores em votos. Ora pela impossibilidade de deter ou controlar esse potencial. A política tradicional vem incorporando esse novo personagem, desejando seus números e surfando sua influência.
Enquanto isso os mecanismos de renovação política nos moldes clássicos enfraquecem. A base perdeu força. A forma de fazer política mudou.
A Velha Guarda, que se sentava à mesa para debater ideias e projetos, deu lugar à políticos que falam só para suas bolhas, sem intenção de dialogar com quem pensa diferente.
O objetivo agora é outro: condenar o outro, atacar o divergente. Basta observar a perda de relevância dos debates eleitorais.
A internetização da nossa política
Tudo isso é sintoma de um problema maior: a participação ostensiva da internet, especialmente das redes sociais, na política.
A nova ordem é clara: a reeleição a qualquer custo. E os meios virtuais são ferramentas indispensáveis pra isso.
A despeito de ideologias, vemos parlamentares moldando regras que os beneficiam diretamente e não à população.
O Fundo Eleitoral, por exemplo, entrega cifras astronômicas nas mãos desses políticos e seus partidos. Dinheiro público, suado, usado para autopromoção.
Já não elegemos mais quem acreditamos ser mais capacitado. Elegemos quem o sistema político elege como viável. Quem é mais eficiente em angariar votos, manter o jogo político e garantir os mesmos no poder, seja pelo dinheiro, seja pelo poder em si.
Ficamos presos num esquema sem projeto de país, onde a corrupção segue parasitando e não há projetos à longo prazo. O único plano: reeleger-se. Ou eleger os seus.
Quem, em sã consciência, investiria, por exemplo, numa reforma educacional profunda, que levaria uma década pra dar frutos, se os louros do resultado não viriam durante seu mandato?
Projetos precisam caber dentro de quatro anos. Precisam virar vitrine. O que se entrega no fim, são pedaços remendados, medidas populistas e não as reformulações completas e estruturantes que precisamos.
É assim que nos governam: no modo reeleição.
É assim que nos mantem alienados do presente, ansiosos com o amanhã e distraídos com o espetáculo.
Redes sociais: palco e arena
Percebe a força das redes nisso tudo?
Elas não moldam só a forma como enxergamos a política, moldam também a prática da política em si.
Hoje, os debates políticos saíram da mesa e foram parar nos feeds, onde o que vale não é o argumento, mas o corte. Um espetáculo. Um circo completo.
E como já escrevi antes: fomos todos capturados por esse circo.
A racionalidade, a escuta, a tolerância e razoabilidade cederam lugar à gritaria, ao embate, ao escândalo, à cadeirada. Porque é isso que nos engaja. É isso que vende. Uma mistura perigosa.
E, como se não bastasse, temos um caso emblemático que nos mostra até onde isso é capaz de ir: as BETS.
Aposta alta, impacto profundo.
As casas de aposta contornaram a proibição de jogos de azar no Brasil, cresceram em silencio e hoje patrocinam praticamente todos os grandes clubes de futebol. Divulgadas por famosos e influenciadores, que recebem milhões para empurrar essa roleta virtual para uma população vulnerável, que vê aí uma chance de ganhar uns trocados.
Essas plataformas foram viabilizadas no governo Temer, cresceram sob Bolsonaro e agora escancaram no governo Lula.
O atual governo, ao invés de banir, tentou regulamentar a baixaria para morder sua fatia do bolo.
Nenhum espectro político - direita, centro, ou esquerda- previu (ou quis enfrentar) o estrago que isso causaria numa sociedade subdesenvolvida como a nossa.
E mesmo VENDO continuam de braços cruzados.
Sendo assim fica evidente que não é uma questão de ideologia política.
Gente como a influenciadora Virginia, que usa seus 53 milhões de seguidores, para divulgar apostas online e o Jogo do Tigrinho, resulta em milhões de pessoas que se afundam em dívidas, tentando repetir uma “sorte” que ela mesmo finge ter - já que o perfil que usa para supostamente jogar, é controlado pelos donos do app.
Virgínia ganha parte do que as pessoas perdem no jogo. Ela lucra com a derrota alheia. A moça que já é rica e se vangloria do “me mimei” com bolsas de luxo, promove um jogo destrutivo E NÃO ESTÁ SENDO CANCELADA, nem presa, nem confrontada de verdade.
Pelo contrário: é recebida no Senado como celebridade. Transforma uma investigação numa entrevista no “Conversa com Bial”. E nenhum Senador a confronta com firmeza. Nem quando ela se declara “enviada de Deus”, como se isso legitimasse sua ação. (Veja que o fundo desse poço quase não tem limites. No meio de tanta sujeira ainda evoca o nome de Deus. É quase um “se estou rica assim é porque só posso ter o aval de Deus”.)
Virginia deu show.
Virginia se sentiu em casa, assistida e amada pelos seus 53 milhões de seguidores e pelos Senadores da Republica eleitos por nós, em uma CPI que não resultará em nada.
E o Senado foi plateia.
A CPI, que deveria investigar um esquema no mínimo muito duvidoso, virou palco de cortes, engajamento e selfies. Um show para os seguidores, um trampolim para os políticos aumentarem sua visibilidade e angariar votos. Uma perda de tempo pro cidadão, mas um grande investimento pra politicagem brasileira.
Parabéns pra nós.
Chegamos a esse lugar: onde ver e ser visto é mais importante do que construir um plano de país.
Onde política virou espetáculo e os meios, na verdade, viraram os fins.
Mariana U. Poloni
Você arrasou neste texto viu? Parece que colocou em palavras tudo que estamos vivendo até então. Gostei muito!
Gostava de ler uma análise tua sobre o tratamento dado a marina silva no senado, comparado ao modo como virginia bets foi recebida